Passos de tango.

Passos pela sala. Ressoam, ao som deste tango forte e irreverente.

Passo.
Passo.

O copo salta na mesa. O vinho dentro dele quase salta pela borda.

Passo.
Passo.

Quebra-corações, este ritmo apaixonado. A voz rouca de uma mulher surge por entre os riscos deste vinil. O ruído do gira-discos ecoa por toda a sala.

Passo.
Mais um passo.

As meias parecem ir escorregando pelas pernas de alguém, fumando cigarrilha. Por entre os pés, caem cinzas despercebidas.

Os cabelos negros de uma mulher parecem voar pela sala, por entre as piruetas e os rasgos de ar. É aquela imagem de um bar, de alguém sozinho. Mas desta vez num sótão.

Passo, outro passo.
Passo, mais um passo.

Dança sozinha, e que bela é! Num sótão emaranhado de pó e de memórias deixadas em caixas, ela fuma, bebe. Ao som de um tango, sozinho. Ainda consegue dançar. Ainda consegue encantar. Mas será que consegue viver?

Passo.

As meias quase parecem abandonar seu corpo, infeliz e penoso. A saia descansa sobre as suas ancas, que anseiam em balançar.

Sozinha, ela dança.

Passo.
Mais um passo.

O gira discos pausa. Ela deita-se no chão. O chão da casa range, de tão só que está.

O tango não dá para três. Mas quando é só um a dançar, mais vale guardar segredo.